By Ediane Merola
15.10.2017 / O Globo
RIO - República pode ser um país inteiro ou somente uma casa que abriga estudantes. Mas, desta segunda-feira até o próximo domingo, um conceito bem amplo dessa palavra vai caber na sala de estar de sete residências cariocas, que estão abrindo suas portas para o projeto "Brasil em Casa - Home Visit Rio de Janeiro", do coletivo alemão Rimini Protokoll, que veio à cidade participar da 8ª edição do Tempo Festival.
O grupo montou uma peça em formato de espetáculo-jogo, protagonizada por 15 "pessoas comuns", que ficam aproximadamente duas horas sentadas em volta de uma mesa, respondendo a perguntas que, em geral, as fazem pensar e até agir de forma política. No Rio, o espetáculo, que já foi realizado em mais de quatrocentas salas da Europa e dos Estados Unidos, acontecerá nos bairros de Copacabana, Lagoa, Lapa, Barra da Tijuca, Vila Isabel, Tijuca e Santa Teresa.
Na semana passada, houve ensaio em Botafogo e, quem participou da experiência, teve que dizer, por exemplo, se já tirou a sorte grande na vida, se participa de alguma associação ou ONG, se tem medo do futuro, se é solidário ou ambicioso e se já mentiu sobre a sua origem. Conforme perguntas e respostas avançam, a estratégia dos jogadores vai mudando e os diretores da peça conseguem perceber diferenças entre os países onde ela já foi montada.
- Nesse grupo (o do ensaio) havia pessoas com parentes indígenas e escravos. Em alguns países, há quem esconda suas origens, por exemplo. Em geral, as perguntas seguem um roteiro parecido, mas fazemos adaptações para termos uma percepção mais real de cada lugar. A ideia é fazer peças com discussões políticas num lugar bem íntino, numa casa, onde você se sinta bem à vontade - conta o diretor Stefan Kaegi, que assina o Rimini Protokoll com Helgard Haug e Daniel Wetzel.
Nascido na Suíça e morando atualmente em Berlim, Stefan passou o ano de 1989 no Brasil, em Santa Catarina, onde aprendeu a falar português. No país, conheceu a diretora Bia Junqueira. Ela, César Augusto e Marcia Dias dirigem o festival internacional TEMPO, que desde sexta-feira ocupa - além de casas e apartamentos - locais como o Teatro Municipal e o Espaço Cultural Sérgio Porto.
O roteiro do "Brasil em Casa" é assinado pelo diretor Pedro Brício, que traduziu o jogo para a realidade carioca. Por conta da onda de violência na cidade, o tema segurança chegou a ser cogitado para permear as perguntas, mas o foco do espetáculo continua sendo a política. E ele funciona assim: os 15 participantes, selecionados por meio de inscrição no site do festival, são os atores e o público da peça ao mesmo tempo. Não há plateia.
A intenção é observar a reação e estimular a interação do grupo durante o jogo, que é conduzido por uma espécie de mestre de cerimônia. É ele quem tabula as respostas das quatro primeiras rodadas da peça. No quinto e último ato, os "atores" formam duplas de acordo com as afinidades apresentadas até então.
Como o espetáculo é um jogo, com direito à pontuação, a meta é ficar entre os primeiros colocados para garantir as maiores fatias de um bolo que é assado na casa anfitriã, durante a peça. As revelações que vão sendo feitas durante a apresentação costumam surpreender.
- Fiquei surpresa quando perguntaram se havia alguém filiado a partido político no grupo, e ninguém levantou a mão. Num momento em que há tanta polarização! - disse Raisa Mousinho, que recebeu o projeto em seu apartamento, em Botafogo.
Apesar de o ensaio ter sido feito com convidados da equipe do "Brasil em Casa", os participantes não se conheciam e isso ajudou a manter o clima de suspense da peça, que reuniu gente ligada às artes e às ciências exatas, como Gilberto Dantas, que trabalha com processamento de dados:
- O jogo serve para mostrar que política é algo bem mais complicado do que a gente pensa. Na última fase, somos levados a tomar decisões que nem sempre são agradáveis. Ficamos numa saia justa.
No Brasil, o projeto alemão é feito em parceria com o Goethe-Institut e terá apresentações também em Salvador (BA) e Caruaru (PE). O coletivo já conquistou prêmios como o Leão de Prata na 41ª Bienal de Veneza, em 2011; o prêmio de Excelência no 17º Japan Media Festival, em 2013; e Grande Prêmio de Teatro da Suíça, em 2015.