Von Corinna Lawrenz
15.08.2014 / tudo alemão
Um cemitério, um edifício-garagem, um centro comercial e um hospital – estamos no início de junho 2013, e o grupo artístico berlinense Rimini Protokoll leva os seus participantes no Remote Lisboa – uma produção conjunta do Goethe-Institut Portugal e do Teatro Maria Matos – numa viagem a sítios desconhecidos da capital portuguesa e coloca questões relacionadas com um mundo entre o ser humano e a tecnologia. Quem se quiser pôr a caminho, terá ainda oportunidade para o fazer em Berlim e Viena.
A viagem ao desconhecido começa ainda antes do início do Remote Lisboa , na quase extinta zona industrial dos Olivais, com os seus edifícios fabris abandonados e a calma de fim de semana nas ruas. Em lugar igualmente calmo, entre flores e campas, fica o ponto de partida da performance, o cemitério. Cerca de 40 participantes – equipados com grandes auscultadores e um recetor de rádio – seguem as instruções de uma voz eletrónica. A voz tem o nome de Márcia e é o resultado da junção de sílabas em palavras, de palavras em frases. Márcia consegue distinguir entre perguntas e afirmações, tem uma voz suave e fluente e tão agradável que durante breves instantes é possível que nos esqueçamos de como ela é produzida. Ela não se limita a conduzir-nos pela cidade, à sua volta giram também as questões temáticas relativas ao corpo e à transitoriedade, ao ser humano e à tecnologia.
© Corinna LawrenzNo cemitério dos Olivais, cada participante escolhe uma campa, cada uma delas guarnecida com uma fotografia do sepultado. Como terá ele vivido? Márcia envia os seus ouvintes para o reino da imaginação, para fora da campa e para dentro da vida de pessoas que eles nunca conheceram. A partir da capela mortuária do cemitério, que se encontra vazia, o grupo coloca-se em movimento: passa por cruzamentos de ruas e por áreas de construção vazias, que há muito tempo voltaram a ser monopolizadas pela natureza. Será que os ruídos de fundo pertencem ao mundo lá de fora ou vêm dos auscultadores? O que quase não é distinguível revela-se apenas através do som de uma ambulância alemã no meio da confusão lisboeta. A ideia do Remote X está tão bem integrada na cidade que só neste momento se torna clara a assinatura do autor berlinense. De forma brincalhona, a equipa de produção do Rimini Protokoll e o encenador Stefan Kaegi conseguem situar as suas questões na cidade.
Em redor da estação de comboios Gare do Oriente, a imagem da diferença entre ser humano e tecnologia intensifica-se. Caixas de supermercado automáticas prometem compras sem filas de espera, serão elas símbolos de um futuro tecnológico, sem trabalho humano e erros humanos? Semáforos com contagem decrescente, escadas rolantes e salas de espera para viajantes passam por nós como num filme. Procurar o olhar de outras pessoas e de repente começar a dar nas vistas – no centro comercial, dançando ao som da música que sai dos auscultadores – o grupo transmite segurança.
Pessoas automatizadas num mundo automatizado? Os participantes param numa área grande e desimpedida da estação e observam os passantes, aplaudem como se fossem espectadores de uma peça de teatro. Os atores involuntários reagem de forma insegura ou divertida – emoções que são estranhas à voz computorizada de nome Márcia. Por fim seguem todos para a plataforma da estação, o comboio leva o grupo até Santa Apolónia, o caminho serve de pausa para recuperar o fôlego e de pequeno período de reflexão.
© Corinna LawrenzAli chegados é preciso subir alguns degraus e passar por uma pesada porta verde, para chegar aos corredores desconhecidos do antigo Hospital da Marinha. Passam por uma capela mortuária e por uma sala de operações e entram numa sala de espera para doentes e parentes. Márcia faz perguntas sobre a doença e a morte, sobre a utilização de tecnologia no corpo. A estranha e memorável viagem termina finalmente no telhado do hospital, uma tira violeta-vermelha no horizonte, andorinhas voando no céu noturno.
Quando a voz se emudece, quase nenhum participante abre a boca, cada um segue o seu caminho, com muitas perguntas na cabeça. O Remote Lisboa não é um passeio simples e alegre pela cidade, mas sim uma viagem pensativa às profundezas da sociedade, que junta a experiência de uma dinâmica de grupo complexa com questões sobre mortalidade, ser humano e tecnologia. Uma viagem através de uma cidade com vida humana e processos automatizados, que poderia ter lugar em qualquer parte e é, ainda assim, de forma muito especial, uma viagem lisboeta.
Corinna Lawrenz,
nascida e criada em Nuremberga, sempre gostou de explorar o mundo de caderno e câmara na mão. Depois de terminar o ensino secundário, viveu meio ano no Paraguai, regressando então à Alemanha para estudar Ciências dos Média e Ciências da Cultura em Düsseldorf. A seguir viajou novamente para sul, para prosseguir os seus estudos em Lisboa, onde frequenta um mestrado em Estudos de Cultura e escreve para o tudo alemão, revelando o que mais a fascina no seu novo local de residência.